O processo de captação de água num poço tubular profundo, implica numa obra geológica até atingir o acesso a água subterrânea. Mas quando o cineasta Pedro Almodóvar resolve perfurar o poço da sua existência para estimular o seu processo criativo, seguramente teremos capítulos inéditos de sua vida que nunca foram mostrados antes em seus filmes. Assim aconteceu por ocasião do seu mais recente trabalho para o cinema, através do filme de 2019, DOR E GLÓRIA. Pela primeira vez em sua trajetória cinematográfica, Pedro Almodóvar se coloca como protagonista principal do seu filme, mas na pele do ator Antônio Banderas com quem começou a trabalhar em 1982, através do filme LABIRINTO DE PAIXÕES. Em DOR E GLÓRIA o ator Banderas interpreta o personagem Salvador Mallo, atormentado principalmente pelas dores da alma e que são somatizadas em seu corpo. Desta maneira, ele vai se afastando do grande combustível que abasteceu sua existência, seus roteiros e seus filmes. Mallo tem na solidão do seu apartamento, as lembranças de um passado e que em algum momento, também servirão de gatilho para reverter o seu processo de vida. O filme ao mesmo tempo em que projeta uma carga dramática, também transmite uma mensagem sobre a importância de um processo de escuta. Mallo, em meio a todo seu processo de adoecimento, tem a capacidade de saber escutar o outro e prestar a devida atenção com os seus olhos como se fosse uma câmera focando na imagem. Vários diálogos do filme são reais, enquanto outros foram fruto da criação de Almodóvar, principalmente quando envolve a figura da sua mãe, que no filme é interpretada na fase infantil pela atriz Penélope Cruz e na fase adulta por Julieta Serrano. Se a cor no filme deve sempre cumprir uma função psicológica, já para Almodóvar a cor deve servir para dizer coisas que não poderiam ser ditas sem a sua intervenção. Por exemplo, o apartamento do personagem Salvador Mallo, é na realidade uma reprodução fiel do próprio apartamento do cineasta Almodóvar. Logo, as cores vivas fazem parte da vida do próprio diretor espanhol. Por fim, mais uma colaboração preciosa de uma parceria bem-sucedida entre Pedro Almodóvar e o compositor Alberto Iglesias quanto a trilha sonora do filme. No âmbito das canções para marcar a época dos fatos narrados no filme, o registro fica por conta do grande sucesso que conquistou a canção Come Sinfonia, composta por Pino Donaggio e interpretada magnificamente pela cantora italiana Mina. O filme DOR E GLÓRIA, mostra que se por um lado, algumas dores são passiveis de cura, já a verdadeira glória é aquela que chega antes tarde, do que nunca!