Certa vez, numa entrevista, o cineasta Federico Fellini afirmou:
o colaborador mais valioso de todos era Nino Rota. Entre nós estabeleceu uma integração total desde ABISMO DE UM SONHO. Nossa integração foi interessante: eu tinha decidido ser diretor, e Nino era uma premissa para que continuasse a sê-lo. Tinha uma imaginação geométrica, uma visão musical das esferas celestes, para quem não havia necessidade de ver as imagens de meus filmes.
ESTRADA DA VIDA é um filme cheio de contrastes, permeado de um clima de infelicidade e alimentado por nostalgias. O filme ainda respira o rescaldo do neorealismo, o próprio Fellini sempre tinha a voz embargada quando tinha que falar sobre ESTRADA DA VIDA, já que no enredo passava-se por sentimentos de culpa aliado a temores e incertezas. Tudo isso acabou sendo magistralmente captado pelas notas musicais da partitura de Rota num daqueles que seguramente deve ser considerado como o melhor trabalho produzido para a sétima arte.
Já a partir do “Tema Della Strada” temos o sentimento lírico de Rota preparando os nossos corações para a torrente de emoção que está reservada. A dramaticidade da narrativa, por vezes é interrompida por um momento de maior descontração. Nesse instante, Rota tempera as cenas da aparição do personagem Zampano fazendo suas peripécias, com uma música eminentemente circense, “É arrivato Zampanò”. A música composta por Rota para as cenas em que aparece a personagem Gesolmina é muito especial. Podemos sentir nos acordes aquela mistura que invoca as raízes da personagem, sua história de vida e, sobretudo, a inocência perdida. Fellini dosa muito bem as emoções para não intoxicar os espectadores com aspectos humanísticos, afetivos passando pela essência do desejo e realização social. Rota que entendia sempre o papel que lhe cabia, oferece um pouco de ritmo picaresco com a dupla Zampanò e Gesolmina, seja numa cantina comendo macarrão regado a um chianti, seja na festa de casamento.
O tema principal de A ESTRADA DA VIDA é trabalhado em vários instantes agudos do filme, sempre com um tratamento especial, adequado, sobretudo ao que a cena pede, é o caso, por exemplo, do momento de grande emoção que marca Zampanò abandonando Gelsomina.
A variedade de ritmos da trilha de Nino Rota para A ESTRADA DA VIDA contribui para oferecer um combustível capaz de dinamizar a narrativa.
No final, na cena em que Zampanò está na praia chorando, a música de Nino Rota chega aos poucos como que carregando a nossa emoção e tocando fundo o coração. Neste trabalho, o compositor deu a inequívoca demonstração do seu talento, bem como sua música ofereceu ao filme, a funcionalidade que pedia.
A ESTRADA DA VIDA rendeu a ele o Leão de Prata de Veneza, Prêmio do Círculo dos Críticos de Nova Iorque, Prêmio Junpo do cinema japonês de melhor filme estrangeiro, Nastro D’argento de melhor direção para Federico Fellini e melhor produção para Dino di Laurentis e Carlo Ponti. O filme ganhou ainda o Prêmio de Melhor Filme de Língua Estrangeira do Círculo de Roteiristas de Cinema da Espanha, Fellini ganhou ainda o Prêmio Bodil da Dinamarca, alem é claro do mais importante prêmio que foi o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Em seu livro Tango Solo, o ator Anthony Quinn fala sobre como fez de A ESTRADA DA VIDA, o pior negócio de toda sua vida. Ele tinha acertado a participação de 25% na bilheteria do filme, mas no final, autorizou seu agente a fechar negócio pela bagatela de 12 mil dólares. Por outro, lado foi o filme que permitiu que Quinn saísse da eterna imagem de ator coadjuvante para ganhar respeito no cenário internacional.
Fellini gostava muito de passear de carro pelas redondezas de Roma, num desses passeios ele conseguiu identificar os personagens, a atmosfera e o próprio sentimento de A ESTRADA DA VIDA.