Na cinematografia vamos encontrar muitos diretores que não aceitam muito bem a inserção da música em seus filmes. Esse preconceito contra a música não tem um fato determinado, mas o receio estaria no fato da interferência da música no filme. Isso em parte, justifica algumas situações em que as trilhas compostas acabam sendo rejeitadas. De outra parte, temos compositores que já sabedores dessa realidade, tentam de todas as maneiras, fazer com que a sua música assuma um papel funcional, ou seja, não participa intensamente da narrativa, mas a sua presença acaba sendo quase que indispensável, seja para reforçar a cena ou até mesmo para auxiliar numa narrativa. A trilha funcional é aquela está sempre a serviço do filme, mesmo não tendo a pretensão de roubar a cena, a música, uma vez invocada, ela aparece, essa musica é tão bem colocada que nem mesmo os espectadores acabam dando conta de sua presença, principalmente quando falamos de determinadas cenas de profunda densidade.
A importância de um trabalho de uma trilha funcional atinge proporções verdadeiramente fantásticas, uma vez que a música auxilia em muito o clima que se pretende oferecer.
O compositor Ennio Morricone nos mostra um dos trabalhos mais apurados no sentido de evidenciar o lado da trilha funcional pode ser dado através do filme de 1971 dirigido por Elio Petri, A CLASSE OPERÁRIA VAI AO PARAISO. O personagem Lulu Massa (Gian Marie Volontè) é o operário padrão que dita o ritmo de produção da fábrica. A sua relação com a prensa chega a ser quase erótica, visto que ele quer mostrar uma performance rigorosamente insuperável, a ponto de se constituir no modelo perfeito de produção. Os efeitos sonoros que emanam da trilha parecem que foram captados no próprio interior da fábrica. A música transmite ao mesmo tempo o ritmo obsessivo e repetitivo do trabalho dos operários. Ao mesmo tempo a música de Morricone sugere um certo distanciamento do personagem Lulu da própria realidade, numa espécie de metamorfose.
No ano passado por ocasião das comemorações dos 40 anos do filme, na Itália aconteceram várias sessões, seguidas de discussões sobre esta antológica produção. O filme aborda a realidade vivida pelos operários em plena década de setenta na Itália. Naquele momento emergia com toda a força o movimento sindicalista que pregava a autonomia operária.
Ennio Morricone no filme de 1970 do próprio Elio Petri INVESTIGAÇÃO SOBRE UM CIDADAO ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA, já havia demonstrado mais uma vez a sua exuberante capacidade de expressar através da música aquilo que a cena não consegue mostrar e nem o ator de falar, a trilha funcional assume um papel preponderante dentro do contexto da narrativa cinematográfica.