Ao assistir em 2013 ao filme OS SUSPEITOS, do cineasta canadense Denis Villeneuve acabei percebendo que a grande novidade não vinha do enredo, mas da trilha sonora. Fiquei profundamente surpreso pela forma como a trilha sonora estava estruturada, numa concepção musical que fugia totalmente aos padrões convencionais. Mais surpreso ainda fiquei quando tomei conhecimento de que se tratava de um compositor desconhecido no grande circuito, pois era islandês e seu nome Jóhann Jóhannsson. A partir daquele momento, passei a me interessar pelo seu trabalho e confesso que as surpresas positivas aconteciam a cada novo trabalho, passando por Sicário e chegando no terceiro filme da parceria com Villeneuve, A CHEGADA. Esta trilha posso dizer que o compositor Jóhann Jóhannsson acabou se superando, quanto a capacidade de permitir que a linguagem musical pudesse se transformar num elo importante de comunicação com o espectador. Claramente, isso só foi possível, devido a relação de confiança com o diretor, quando este praticamente deixa o compositor completamente à vontade para realizar o seu trabalho.
O mais instigante na trilha sonora de A CHEGADA é a capacidade de Jóhann Jóhannsson de respeitar os vácuos de silêncio, preenchendo justamente o espaço em que a música se torna rigorosamente imprescindível.
O estilo musical de Jóhann Jóhannsson muitas vezes se aproxima de alguns nomes como do compositor francês Gerard Grisey, John Cage e até mesmo do japonês Toru Takemitsu. Mas na trilha sonora de CHEGADA, um papel crucial foi quanto a participação do grupo do chamado Theatre Of Voices, cujo domínio das técnicas vocais foi de fundamental importância quanto a imprimir uma cadência que ao mesmo tempo fundindo estilos antigos e contemporâneos. Acordes que pontuaram soberbamente o papel intimista que uma espécie de vozes do além caracterizariam criaturas do espaço sideral como na faixa batizada por “Kangaru”.
Jóhann Jóhannsson sem dúvida, vinha se constituindo como uma grata revelação dos últimos dez anos da música no cinema. Uma carreira de 18 aos, rendendo 44 trilhas sonoras, longe de uma escala comercial, representava sobretudo o reconhecimento a sua grande capacidade de inovar, principalmente num momento em que a música no cinema se mostrava profundamente desvalorizada e muitos compositores até desrespeitados. Aliás na série que estamos produzindo para o site Radiocinemúsica com relação as trilhas rejeitadas isso por sí só evidencia essa realidade. Por falar em rejeitada, pouco ou nada se comentou sobre o desligamento de Jóhannsson do projeto de BLADE RUNNER 2049, mas pela trilha rejeitada disponibilizada para os fãs, deu para perceber que Jóhannsson naquela oportunidade estava sobretudo tentando produzir algo que mantivesse o mesmo nível da trilha da produção de 1982, tanto assim que utilizou o sintetizador do mesmo modelo de Vangelis um Yamaha CS80.
Neste dia 09 de fevereiro, dia da estréia mundial do filme THE MERCY, contando a incrível história do empresário britânico e marinheiro amador, que morreu quando competia numa corrida de iate ao redor do mundo. Este foi o derradeiro trabalho para o cinema do compositor Jóhann Jóhannsson, cujo corpo foi encontrado em seu apartamento em Berlim na noite da última sexta-feira, dia 09 de fevereiro. A partida de Jóhann Jóhannsson aos 48 anos praticamente no auge da sua carreira, abre uma lacuna, principalmente para a enorme legião de fãs que os seus trabalhos souberam conquistar.Se a arte deve pegar a realidade de surpresa, quem foi pego de surpresa foram aqueles que aprenderam a admirar e respeitar a competência de um compositor que ousou mudar o padrão das trilhas sonoras, principalmente com o seu trabalho para o filme A CHEGADA.