Se para Roland Barthes o escuro do cinema não é apenas a própria substância do devaneio; ele é também a cor de um erotismo difuso , por sua condensação humana, por sua ausência de mundanismo, pela prostração das posturas no cinema, onde as pessoas se deixam escorregar na poltrona, como se estivesse numa cama . Se ele acredita ainda que colorir o mundo significa em última análise negá-lo ,então no cinema, qual a função da cor?
A cor no cinema nos possibilita uma interpretação poética interligada a imagem e música. Em FESTIM DIABÓLICO, filme dirigido por Alfred Hitchcock, aliás foi o primeiro filme colorido do mestre do suspense. Desde o início das filmagens a intenção do diretor era de reduzir a cor ao mínimo. O maior problema enfrentado por Hitchcock com a cor foi no por do sol, já que a imagem foi de uma dominante cor laranja realmente excessiva. Segundo Hitchcock, o por do sol proposto pelo operador chefe era um cartão postal absolutamente inaceitável. Ao final das filmagens a grande questão levantada pelo diretor foi com relação a iluminação dos filmes coloridos, o que para ele seria ainda objeto de muita preocupação. Hitchcock só foi aceitar o problema da cor no filme CORTINA RASGADA, quando tentou mudar o estilo de distribuição da luz, graças a ajuda de Jack Warner. Ele concluiu que ,fundamentalmente, não há cores e não há rostos até que a luz se dirija sobre eles.
Como foi possível perceber, através dos conceitos de Hitchcock, com a cor existe uma possibilidade muito grande de se esmagar a realidade, caso não haja critério e muito menos competência ao se trabalhar com a cor. Existe, contudo, uma corrente que defende a função da cor no filme como tendo um papel preponderantemente psicológico. Claro que este conceito contribui para que a conotação da cor tenha um relevo tão importante a ponto de estar relacionada com o texto, com o clima, com o espírito dos intérpretes e com a própria cabeça do diretor. Já que falei em diretor, cumpre destacar aqui alguns nomes de cineastas que optaram por uma expressão mais forte através das cores; John Huston, Michelangelo Antonioni, Werner Herzog , Stanley Kubrick , Marco Belocchio , Peter Greenaway, Pedro Almodovar entre tantos outros.
O processo de comunicação, via cor, tem um efeito premonitório que contribui sobretudo para valorizar um clima que o diretor deseja para determinada cena. Exemplificando, citaríamos a cor vermelha, através do filme “OS IMPERDOAVEIS”,dirigido por John Huston, de 1960. Neste filme a cor vermelha assume nitidamente uma função premonitória de alertar os espectadores para a violência que se instalará a partir de um ataque indígena ao rancho de uma família que abriga em seu seio, uma mestiça . De repente, todo o io ambiente é tomado pela cor vermelha indicando que ali o sangue vai rolar, como ficou flagrante em O ILUMINADO, filme de Stanley Kubrick de 1980.
A nossa proposta ao falar sobre a cor no cinema , não se restringe ao fato de falarmos apenas de filmes coloridos, mas sim do significado da cor no cinema, o que é muito diferente. Certa vez Woody Allen por ocasião de um intenso debate sobre colorização de filmes, usando seu bom humor ele saiu com essa: “o público norte-americano é muito burro, muito infantil . Na verdade são mesmo uns idiotas. Não conseguem gostar de um filme a menos que seja bem colorido e tenha rock. A história em si, não tem a menor importância , assim como o enredo e o trabalho dos atores. Basta que se dê aos trouxas um filme com bastante vermelho e amarelo, para que fiquem contentes “. Na verdade em 1987, Allen chegou a ir ao Congresso norte-americano para protestar contra a colorização dos filmes preto e branco. Para justificar suas convicções , Allen reforçou que a diferença entre um filme preto e branco e um colorido é tão grande que muitas vezes chega a alterar o significado de uma cena. Ele completou; “se eu tivesse retratado Nova Iorque em cores ao invés de preto e branco no filme MANHATTAN, o mesmo não teria todas as conotações nostálgicas que tem. Essa evocação da cidade a partir de velhas fotografias e filmes ,teria sido impossível de se conseguir em tecnicolor”.
Alguns cineastas muito mais preocupados em grifar seus trabalhos com referências e movimentos pictóricos importantes, acabaram pecando pelo excesso. Stanley Kubrick, em 1975 através do filme BARRY LYNDON, evocou a pintura inglesa do século XVIII LUCHINO VISCONTI foi denunciado por citar Boldini,Fattori além de outros pintores, em seus filmes, como em O LEOPARDO.
As cores tem uma marcada atuação na emotividade humana. Além disso, as cores possibilitam uma sensação de movimentos, uma dinâmica que envolve e torna-se compulsiva. O amarelo é uma cor que muitas vezes tem uma força expressiva que parece invadir espaços interiores. Como em MEU TIO, de JACQUES TATI, a casa de Monsieur Arpel com os móveis da sala além da cozinha ultra-moderna. O amarelo é uma cor que transborda seus limites. O azul denota uma sensação de distanciamento, profundidade e vazio, ao mesmo tempo. O azul cromático revela quase sempre a presença do mal. A componente cromática é uma resultante da refração da luz com uma tendência azulada .Esta atmosfera é marcadamente constante por ocasião dos filmes de ficção como o clássico de Kubrick 2001 UMA ODISSEIA NO ESPAÇO. A cor cinza tem um conotação de tristeza e devastação além de componentes lúgubres como do filme BLADE RUNNER, de RIDLEY SCOTT. O cinza propicia um quadro depressivo nas pessoas, o exemplo pode ser conferido em DESERTO VERMELHO de MICHELANGELO ANTONIONI.No filme a personagem interpretada por Monica Vitti é acometida de uma neurose profunda e o cinza é a sua própria visão do mundo. Já o verde, considerada como uma cor fria, sugere um distanciamento, mas se invocarmos Jung vamos considerar que de acordo com aspectos de introversão e extroversão a cor verde tem em relação ao pensador um cunho sensitivo.
A atribuição de certos significados as cores do cinema tem por objetivo tornar a percepção da plateia mais atenta ao tema e ao desenrolar de uma linguagem cinematográfica. As cores acabam funcionando como um estímulo psicológico para a sensibilidade humana.