O filme QUANDO FALA O CORAÇÃO, de Alfred Hitchcock, conta a história da Dra. Constance (Ingrid Bergman) que se apaixona por um homem acometido por uma amnésia e que se passa por diretor de uma clínica psiquiátrica. O filme é uma história de amor, com enormes componentes psicanalíticos, o que transformou essa produção em tema de grandes debates sobre complexo de culpa. A música foi confiada ao húngaro Miklos Rozsa, o qual produziu uma das mais belas páginas musicais da sua carreira de compositor de trilhas sonoras. Não por acaso, a trilha foi merecidamente vencedora do Óscar da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
O tema título surge na abertura do filme em plena apresentação dos créditos, com o movimento melódico reproduzindo as folhas esvoaçando. A música, que marca a presença em cena da personagem Constance, é um autêntico poema de amor. A mesma música, porém com arranjo diferente, marca o tema de amor de QUANDO FALA O CORAÇÃO.
Por falar do filme, como curiosidade, registramos a informação de que Salvador Dali foi contratado para pintar os quadros que simbolizariam os sonhos do personagem interpretado por Gregory Peck, as ilustrações têm aspecto agudo, o que confere um diferencial na representação. A música concebida por Rozsa acompanha de forma precisa, usando andamentos a simbolizar o compasso das horas, a música reforçou ainda mais a expressividade das ilustrações de Salvador Dali.
A música de Rozsa para a cena na neve é envolvente e acompanha de forma sincronizada o esquiar dos dois personagens centrais o que contribui para conferir um clima eletrizante e de intensa emoção.
A trilha sonora do filme foi executada de forma soberba pela Orquestra de Estúdio da Warner com a regência de Ray Heindorf. Como era previsível pela consistência do trabalho de Miklos Rozsa e seu acentuado peso erudito, a trilha sonora de QUANDO FALA O CORAÇÃO se transformou num concerto. Em 1985, a gravadora Varese Sarabande lançou uma gravação da The Utah Symphony Orchestra conduzida por Elmer Bernstein e a participação de um duo de pianistas formado por Joshua Pierce e Dorothy Jonas apresentando Spellbound Concerto de Miklos Rozsa com duração de 22 minutos e 42 segundos da mais pura peça erudita.
Rozsa nasceu em Budapeste no dia 18 de abril de 1907, mas viveu uma boa parte da sua infância numa aldeia chamada Nagylócz, situada aos pés da Montanha de Mátra. Contrariando a expectativa do pai, que não aprovava o caminho da música para Rozsa, logo aos cinco anos o menino já tinha as primeiras aulas de violino e mais tarde de violoncelo e piano. Rozsa cresceu ouvindo as Rapsódias de Liszt e as Danças húngaras de Brahms. Na verdade, para Rozsa a Hungria sempre representou uma fonte inesgotável de inspiração quanto a consolidar a sua personalidade musical. Depois de concluir sua formação musical em Leipzig, Rozsa foi morar em Paris onde participou de várias apresentações. Uma de suas primeiras apresentações foi uma Serenata húngara para orquestra que mereceu elogios por parte de Richard Strauss. Na capital dos franceses, Rozsa foi homenageado pelo amigo Arthur Honneger num memorável concerto com músicas compostas por ele. Nesta oportunidade Rozsa tem seu primeiro contato com o cinema, visto ter estimulado Honneger a compor a trilha sonora para o filme OS MISERAVEIS, em 1934. Justamente nesta época, a produção erudita de Rozsa ganhava maior consistência através Tema, Variações e Final Opus 13 que ganhou destaque em toda a Europa com a obra sendo regida por renomados regentes como Bruno Walter, Eugene Ormandy, Leonard Bernstein, seu conterrâneo Georg Solti alem de muitos outros.
A entrada oficial de Miklos Rozsa para o cinema aconteceu em 1937, através do seu trabalho para o filme dirigido por Jacques Feyder O AMOR NASCEU DO ÓDIO, estrelado por Marlene Dietrich. A partir desse instante Rozsa começa a ser requisitado para vários trabalhos produzidos pelo seu conterrâneo Alexander Korda, considerado o pai do cinema húngaro, que também produziu O AMOR NASCEU DO ÓDIO. A primeira trilha de grande expressão, no entanto, estaria por vir, em 1940, para o filme O LADRÃO DE BAGDÁ, com sua primeira indicação para concorrer ao Oscar. A essa altura, o nome de Miklos Rozsa já se constituía numa autêntica legenda da música no cinema, graças ao seu estilo todo especial de compor suas partituras. Outro exuberante trabalho de Rozsa para os Korda foi MOWGLI, O MENINO LOBO, produção inglesa de 1942. Com a sua base já estabelecida em Hollywood, Rozsa casa-se com Margaret Finlanson e desta união nascem os filhos Juliet e Nicholas. É na década de 1940 que Rozsa percebe a realidade predominante em termos de música no cinema. Primeiro, a grande maioria dos compositores vinham da Broadway, o que de certa maneira contribuiria para oferecer contornos musicais alegóricos aos filmes. De outra parte, outro grupo de compositores extremamente submissos aos produtores de Hollywood, absolutamente incapazes de impor talento e fazer com que suas músicas pudessem ser mostradas de maneira vigorosa. A rigor, não tardou para que Rozsa percebesse que dentro deste contexto da música no cinema ele estava muito mais para a exceção do que a própria regra. Poucos eram os compositores com este mesmo perfil, como o caso de Bernard Herrmann que acabou caindo em desgraça junto a Hollywood, notadamente pelo seu temperamento inflexível às convicções musicais que julgava adequada para cada trabalho.
Miklos Rozsa, na década de 1940, esteve em alta em Hollywood, trabalhando ativamente e produzindo verdadeiras obras musicais para o cinema. Como exemplo dessa trajetória esplendida, poderíamos citar: CINCO COVAS NO EGITO, PACTO DE SANGUE e FARRAPO HUMANO, todos os três filmes dirigidos por Billy Wilder. A rigor foi na década de 1940 que Rozsa conseguiu 11 indicações para concorrer ao Oscar. Destas indicações, duas acabaram rendendo-lhe a cobiçada estatueta, sendo a primeira em QUANDO FALA O CORAÇÃO (1945) e a segunda com FATALIDADE (1947), filme dirigido por George Cuckor. Rozsa, na década seguinte, recebeu mais quatro indicações e arrebatou mais um Oscar, com BEN-HUR, produção de 1958, dirigida por William Wyler. Em 1961, ele ainda conseguiu indicação dupla para o Oscar, concorrendo como melhor trilha e ainda melhor canção para o filme EL CID.
Por fugir do padrão comercial de Hollywood, a partir da década de 1960, Rozsa acabou “esquecido” por Hollywood. Caberia ao amigo Billy Wilder redescobri-lo convidando-o para compor a trilha sonora de A VIDA PRIVADA DE SHERLOCK HOLMES, em 1970. Mas nessa época coube ao maestro Charles Gerhardt e também ao compositor Elmer Bernstein promover o resgate da memória musical do cinema, trazendo os temas musicais mais importantes de Miklos Rozsa, lançados num CD gravado pela National Philharmonic Orchestra em outubro de 1974 em Londres. Parece que essa iniciativa teve um efeito muito produtivo, já que recomeçaram os convites para Rozsa voltar ao cinema, visto que o compositor encontrava-se inteiramente voltado para a sua produção erudita. Um aspecto interessante quanto à retomada dos convites para Miklos Rozsa está no fato de que a maioria dos cineastas era formada por então jovens como Gordon Hessler para quem compôs a trilha de AS NOVAS VIAGENS DE SINBAD, Larry Cohen que dirigiu A VIDA PRIVADA DE SHERLOCK HOLMES e ainda trabalhando com Jonathan Demme em O ABRAÇO DA MORTE e Nicholas Meyer em UM SÉCULO EM 43 MINUTOS.
Em 1982, ele compôs a sua última trilha sonora para o cinema, por ocasião do filme de Carl Reiner CLIENTE MORTO NÃO PAGA, uma comédia baseada nos filmes noir dos anos 1940. Ainda em 1982, ao completar 75 anos de idade, o compositor sofre sérios problemas de saúde que o afastou definitivamente do cinema, porém não da música. Rozsa com muita tenacidade e obstinação continuou compondo peças clássicas, engrossando seu acervo com peças para violino, oboé, clarinete, violão, violoncelo e flauta.
Em 1989, recebeu uma das últimas homenagens pela sua contribuição para a música no cinema. O prêmio partiu do Círculo dos Críticos de Cinema de Londres, de forma muito merecida, simbolizando toda a admiração que os ingleses dedicavam ao grande mestre.
Miklos Rozsa faleceu no dia 27 de julho de 1995 e seu corpo foi enterrado nas proximidades das colinas de Hollywood. A sua música, no entanto, continua ecoando forte na lembrança e nos corações de todos aqueles que souberam apreciar seu estilo inconfundível e talento digno de um grande gênio da música. Sem sombras de dúvida, sua magistral trilha composta para BEN-HUR é considerada uma obra prima e também tida pelo próprio Rozsa como seu melhor trabalho. Ficou tão marcada que depois seus scores para EL CID, O REI DOS REIS, SODOMA E GOMORRA e para seu penúltimo filme EYE OF THE NEEDLE O BURACO DA AGULHA tiveram variações quase que semelhantes a algumas melodias de BEN-HUR. Rozsa fez uma única trilha para o gênero western TRIBUTE TO A BAD MAN (1956) HONRA A UM HOMEM MAU de Robert Wise com James Cagney e Lee Van Cleef. Apesar de ser mais lembrado por seu magnífico tema para BEN-HUR, EL CID e QUO VADIS, introduziu acordes dinâmicos que marcaram o seriado de TV DEAGNET. Seu talento não diminuiu com o decorrer da idade e ainda fez trilhas para PROVIDENCE (77) e FEDORA (78). Recebeu 17 indicações para o Óscar vencendo o prêmio por QUANDO FALA O CORAÇÃO, FATALIDADE e BEN-HUR.