Certa vez quando assistia ao filme KLUTE, O PASSADO CONDENA do cineasta Alan J. Pakula, quando de uma cena com os dois personagens centrais do filme Jane Fonda e Donald Sutherland, o casal na cama conversando. Um diálogo constituído de longos hiatos que contribuíam para oferecer à cena, um clima de exaustão. Nenhuma música para preencher certos vazios, tanto assim que estava disposto até mesmo a sair do cinema, quando de repente emerge lentamente a trilha sonora composta por Michael Small. Então pensei que aquela trilha se tivesse que receber algum tipo de identificação, poderia ser rotulada como “sacrifício”. Numa carreira de 28 anos e com 18 filmes no currículo Alan J. Pakula em poucas produções, prestigiou de forma eloquente a música em seus filmes. Trabalhou com importantes nomes da música no cinema como o próprio Michael Small, David Shire,Marvin Hamlisch, John Williams e James Horner, mas seguramente deve ter recomendado a todos eles que em momento algum as suas trilhas deveriam se destacar, exceto quando fosse rigorosamente indispensável a presença musical. Da sua filmografia se tivéssemos que eleger uma trilha dotada de uma melodia marcante, o filme seria A ESCOLHA DE SOFIA de 1982 com música composta por Marvin Hamlisch. Nem mesmo John Williams em 1990 por ocasião do filme ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA se arvorou a produzir algo mais rompante do que o soturno tema principal. Em INIMIGO OCULTO filme de 1997, você quase não chega a perceber a música de James Horner. Voltando ao filme KLUTE, O PASSADO CONDENA até parece que quando da edição do filme, o compositor Michael Small deve ter avisado Pakula: “Se você não colocar a música agora, muita gente vai sair do cinema!” Por isso que é sempre importante o cineasta ter a percepção clara de quando a música está sobrando e também quando está fazendo falta numa determinada cena. Por isso, principalmente para cineastas que não nutrem muita simpatia pela presença da música, cabe sempre ao compositor apresentar uma proposta baseada no sacrifício. Nesse caso a melodia assume um caráter de simples material audível a ser disseminado ao longo da cena. A inserção da música no filme muitas vezes ocorre de forma milimetricamente calculada, servindo para esfriar o clima de angústia lúcida. Essa modalidade serve ainda para transfigurar uma sequência poética, tirando-a do âmbito natural e remetendo-a a uma dimensão metafísica.
A trilha sonora de Michael Small para o filme KLUTE, O PASSADO CONDENA, pode ser considerado como um de seus melhores trabalhos. O tema de amor é de uma beleza singular com a guitarra chamando o trompete que logo passa a ser acompanhado pela bateria, órgão e cordas produzindo uma melodia de tempero jazzístico característica dos anos setenta.
Esta foi a mais inspirada trilha sonora para os filmes de Alan J. Pakula sempre muito avesso ao papel a ser cumprido pela música em seus filmes.
A trilha sacrifício é aquela que serve para transfigurar uma sequência poética, tirando-a do âmbito natural e remetendo-a a uma dimensão metafísica. A música rompe o silêncio da cena justamente onde sua presença é praticamente obrigatória como em KLUTE, O PASSADO CONDENA do cineasta Alan J. Pakula.